dias remotos

os últimos dias na minha cidade (e no meu estado) têm sido bastante similares ao horror enfrentado pelo mundo em 2020. algumas pessoas não têm podido sair de casa, outras têm sido obrigadas a sair porque não existe mais a casa onde elas costumavam viver. tive sorte de não ter sido afetado diretamente na última ocorrência, mas estou longe de estar bem, se for honesto. meus pais estiveram em risco novamente, embora desta vez tenham ficado bem. eu sequer consegui sair de casa durante esses dias, tenho evitado as notícias e tudo que possa relembrar meu trauma, mesmo que me sinta culpado por conta desse distanciamento. o luto que assola o nosso estado tem sido horrível e sei que todas as pessoas gaúchas sabem o que estou sentindo.

minha desesperança se intensificou quando precisei evacuar minha casa em situação emergencial por risco de alagamento, falta de água e luz. desloquei-me à praia com a minha até então namorada, local onde ocorreu um término também não completamente amigável. ainda estou processando os sentimentos com relação a isso e tentando entender o que aconteceu, mesmo sabendo que términos acontecem e que às vezes eu não vou conseguir compreender as coisas completamente.

uma característica bem específica de ser autista é que eu sempre quero desmembrar o máximo possível cada experiência que me acontece, cada pessoa que me perpassa e cada palavra que me é dita. como eu não consigo ler e entender naturalmente o que acontece, sempre busco esclarecer ao máximo possível qualquer situação. infelizmente, essa tendência a dar o benefício da dúvida ao outro acaba gerando uma grande vulnerabilidade à manipulação, pois se alguém me disser "eu me sinto muito triste e arrependido", eu vou acreditar, mesmo que seja óbvio para os outros que não é verdade. 

no caso específico desse relacionamento, terminamos por ela não sentir nada romântico por mim e um sabor agridoce tangeu a situação no momento em que fui submetido a uma traição emocional (e por traição emocional, busco me referir a uma situação em que uma atitude baseada puramente nos "conformes de um relacionamento" seria considerada ok, mas que é dolorosa e desrespeitosa como uma traição). embora neste momento esteja tomado por raiva, melancolia e dor, sinto vontade de entender a interpretação dela dessa situação e disposto a seguir uma amizade no futuro.

devo dizer que acredito muito na minha forma de fazer as coisas. mesmo que meus amigos neurotípicos se preocupem comigo (e eu entendo isso, afinal, eles se importam comigo e sentem que devem me proteger da minha ingenuidade), minhas experiências negativas me fizeram quem eu sou hoje e proporcionaram clareza sobre fatores que antes não eram tão claros. hoje sei muitas coisas sobre mim que aprendi enquanto vivia um relacionamento abusivo, conheço coisas sobre amar e sobre me doar ao outro porque elas foram muito presentes em um situacionamento de 4 meses que sequer virou um namoro. não vejo por que as partes positivas deste relacionamento também não devem ser exaltadas, enquanto as ruins esclarecidas.

positivamente falando, tenho um estágio muito mais legal do que o meu anterior, muito mais estável também. agora sou estagiário em uma ONG de proteção a animais, bem como de ações sociais relacionadas a atendimento em saúde mental. também me tornei voluntário em um serviço de atendimento jurídico aqui da minha cidade, na área de intervenções comunitárias voltadas à diversidade sexual e de gênero. essa será minha primeira semana em psicoterapia (finalmente), academia e aulas de canto, uma paixão que decidi perseguir após muitos anos de distanciamento. sinto vontade de publicar meu progresso aqui, da forma que fazia com os instrumentos antigamente. talvez aconteça! 

só eu sei o quanto tenho sentido falta dos meus hobbies.